A relação da cidade de Piracicaba com o rio de mesmo nome é essencialmente cultural. Isso significa que as variadas manifestações relativas ao famoso corpo d’água – expressas em lugares e construções históricas, em paisagens, na economia e na sociedade, nas artes e no folclore – conformam uma única e ampla relação de identidade.

A ideia do Projeto Beira-Rio surge desta constatação – rio e a cidade formam um sistema biocultural uno e generalizado, no qual o desenvolvimento da cidade passa pelo desenvolvimento de sua relação com o rio. O planejamento desta relação é fundamental para a construção de uma cidade sustentável, calcada na indissociabilidade entre evolução econômica, preservação dos recursos e inserção social.

Esta visão consolida o Projeto Beira-Rio como um processo contínuo de desenvolvimento de diretrizes para implementação de projetos e políticas com foco na relação rio /cidade. Vem sendo desenvolvido pela Prefeitura do Município desde 2001 a partir da elaboração de um diagnóstico antropológico e participativo que serviu de base para um Plano de Ação Estruturador (PAE). Sua etapa inicial foi a requalificação da Rua do Porto, cujo projeto contou com um plano de adequação ambiental e paisagística da orla urbana do rio realizado pela ESALQ/USP. A segunda etapa de intervenções, inaugurada em 2008, compreende a Avenida Beira Rio, no trecho entre o Calçadão da Rua do Porto e a Rua São José. A terceira etapa, inscrita no trecho entre a rua São José e a Ponte do Mirante, foi concluída em 2012. A quarta etapa deu continuidade ao Projeto, margem esquerda do rio Piracicaba, a partir da Ponte do Mirante, seguido pela avenida Renato Wagner, até o entroncamento com a avenida Armando Dedini e a Ponte Walter Radamés Accorsi.

Diagnóstico “A cara de Piracicaba”

O Projeto Beira-Rio trabalha com a visão de que o rio e a cidade de Piracicaba formam uma mesma entidade biocultural. Esta característica se reflete já na primeira fase do Projeto, o diagnóstico de abordagem antropológica – não somente ambiental, social ou econômica, que buscou formar uma interpretação conjunta de todos esses aspectos. A metodologia do diagnóstico baseou-se na participação, pois somente através do complexo material trazido pela população seria possível organizar e sintetizar um painel do arcabouço vivo da experiência cultural piracicabana, com suas características positivas e negativas.

diagnostico01

O processo de diagnóstico foi coordenado pelo antropólogo Arlindo Stefani, que animou encontros, seminários, percursos e viagens a pé e de barco por toda a orla municipal, coletando informações e redescobrindo uma Piracicaba que os próprios piracicabanos não se lembravam mais. Ao final, a extensa gama de informações foi sintetizada no volume “A cara de Piracicaba”, cujos textos e mapas sinestésicos de sons, odores, memórias e ciclos econômicos desvelam um universo de novas possibilidades para a cidade e o rio.

O diagnóstico aponta o necessário (r)estabelecimento da margem como espaço público, livrando-a da condição de “barranco” imposta pelo padrão predatório de urbanização predominante no Brasil ao longo do século passado. Também a prevalência do percurso a pé no espaço da cidade, equilibrando a relação dos meios de transporte motorizados com o “cidadão mais frágil” – o pedestre.

diagnostico02

Seu pano de fundo é a sustentabilidade entre homem, cultura e meio, princípio seguido na etapa seguinte, de elaboração de um plano de ação para o município. O Plano de Ação Estruturador do Projeto Beira-Rio (PAE) tem foco no Desenho Ambiental e Planejamento Ambiental, os elos conceituais com os critérios de sustentabilidade lançados pelo diagnóstico.

Para ter acesso ao Diagnóstico, clique aqui.

Plano de Ação Estruturador-PAE

A elaboração do Plano de Ação Estruturador (PAE) foi a segunda fase do Projeto Beira-Rio. O Plano de Ação fornece os subsídios conceituais para o estabelecimento de um almejado processo de desenvolvimento de diretrizes para projetos e políticas em todo o território municipal, tendo como foco o rio e suas relações com a cidade; recupera o princípio da sustentabilidade lançado pelo diagnóstico “A cara de Piracicaba” por meio da aplicação de conceitos do Planejamento Ambiental e do Desenho Ambiental, tendo a ideia do rio como eixo de desenvolvimento sustentável para Piracicaba.

Os conceitos trabalhados pelo PAE relevam os espaços identitários da cidade em função de suas importâncias e potencialidades na construção de uma noção de pertencimento ao sistema biológico, antrópico e cultural formado por rio e cidade. Alguns conceitos, por exemplo, são os de corredor ecossocial (sistema de circulação correspondente aos fundos de vales e conectado à calha do rio) e os de primeiro, segundo e terceiro leitos (respectivamente, a calha natural do rio em sua maior parte do ano, a calha do rio em períodos de enchentes e a calha do rio “cênico”, que se oferece em visuais significativas para a cidade, muitas vezes através de imagens fortemente identitárias).

O patrimônio cultural é entendido no Plano de Ação Estruturador como a apreensão pelo cidadão dos patrimônios naturais (o salto do rio, a pedreira do Bongue, o Paredão Vermelho, as matas urbanas do Engenho e da Chácara Nazareth) e os patrimônios construídos (o Engenho Central, a “Casa do Povoador”, a Fábrica Boyes, Monte Alegre, a Rua do Porto etc).

A aplicação destes conceitos resulta em premissas do PAE fundamentadas em programas de educação ambiental e capacitação para a indústria do turismo e do ecoturismo – as quais, por suas intrínsecas propriedades de preservação do patrimônio cultural associadas à inserção social e geração de renda, devem ter fomento planejado pelo poder público. Para tanto o PAE preconiza a elaboração de um zoneamento ecológico-econômico do município como a base deste processo, em direção a um novo paradigma de ocupação antrópica no meio físico.

Descrição dos Trechos

O PAE divide a orla urbana do rio e seu entorno em oito trechos para projetos futuros. Sem uma hierarquia, trata-se mais de uma divisão nascida das propriedades intrínsecas de cada trecho: seus aspectos morfológicos, históricos e sociais, características orientadoras, por sua vez, de diretrizes para intervenções futuras, por meio de projetos desenvolvidos pelo poder público, por parcerias e ou por concursos públicos.

br-escalaurbana-quadro-detalhe

TRECHOS

1) Beira-Rio Central

Entre as pontes do Mirante e do Morato, na área central do perímetro urbano, detentora de rico e variado patrimônio arquitetônico, histórico, paisagístico, geológico – enfim, cultural. Por suas qualidades, este trecho apresenta a natural característica de um “parque” urbano, somente não apreendido como tal devido a determinados limites físicos e visuais ali contidos, os quais impedem conexões mais efetivas, principalmente para o pedestre. As diretrizes para este trecho são definidas em função da minimização desta situação paradoxal:

• tratamento da margem como espaço público e acessível ao pedestre;

• constituição de eixos de ligação transversais entre o centro da cidade e a orla do rio e entre as duas margens;

• constituição de ligações longitudinais em ambas as margens;

• transformação da Avenida Beira Rio em rua de mão única para alargamento das calçadas;

• conexão entre o Largo dos Pescadores e a “Casa do Povoador” por meio da nova situação de passeios públicos; elevação do nível do leito viário ao da calçada, “ampliando” o Largo dos Pescadores, associado a elementos moderadores de tráfego e sonorizadores;

• instalação de dispositivos moderadores de tráfego e sonorizadores nos cruzamentos do viário com os eixos transversais definidos;

• estudos de viabilidade de percursos de bonde turístico em integração ao circuito de bonde proposto pelo anteprojeto do Museu de Ciência e Tecnologia; percurso de transporte coletivo alternativo, preferencialmente não-poluente;

• desenvolvimento de programa de recuperação e conservação do patrimônio histórico e arquitetônico existente no trecho.

2) Lar dos Velhinhos

Trecho situado entre as pontes do Mirante e do Lar dos Velhinhos, no qual a adequação de calçadas e trilhas bastante próximos ao corpo d’água, com trechos já reconstituídos de mata ciliar com vegetação nativa, a continuidade desse manejo e a indicação de um dos maiores trechos do trajeto do bonde a tornam um espaço privilegiado em potenciais paisagísticos e ambientais, inclusive nos aspectos turístico e educacional.

3) Bongue

Trecho definido entre as pontes do Morato e do Caixão. Premissa fundamental do PAE é a conservação do patrimônio natural conectada à preservação do meio ambiente, o fomento ao turismo e à educação ambiental. Nesta escala urbana do Projeto Beira-Rio, a pedreira do Bongue é considerada um dos patrimônios a serem preservados, por ser um testemunho geológico da formação da região.

A pedreira sofreu ao longo dos anos processos erosivos decorrentes da extração de rocha e da abertura de leitos viários, perdendo a conexão direta com as águas do rio que outros monumentos semelhantes rio abaixo ainda possuem, como o Paredão Vermelho.

A pedreira é referência visual importante para a população, sendo observável de variados pontos da cidade, como do início da rua Ipiranga, de vários pontos da avenida Francisco de Souza e do entroncamento das rodovias Piracicaba-São Pedro, Piracicaba-Rio Claro, Piracicaba-Limeira (configurando-se como um cartão de visita para quem chega à cidade). O PAE estabelece as diretrizes de:

• conservação: a não-duplicação da estrada do Bongue associada a estudos para o escoamento do tráfego por corredores alternativos;

• manutenção dos corredores visuais com foco na pedreira;

• tratamento como monumento geológico por meio de iluminação cênica;

• fomento ao ensino e turismo por meio de visitação monitorada e didática;

• fomento a programas de educação ambiental e capacitação de guias turísticos em vistas à inserção social

4) Corredor Ecossocial

O chamado “Corredor Ecossocial” compreende as avenidas Armando de Salles Oliveira, Dr. Paulo de Moraes, Juscelino Kubitschek e Francisco de Souza. Trata-se do conjunto de percursos associados aos fundos de vale, ao leito de antigas ferrovias e aos principais fluxos de circulação. Através do Corredor Ecossocial, o cidadão circula pela cidade em contato com faixas verdes conectadas ao ecossistema principal correspondente à calha do rio Piracicaba. Como diretriz, o adensamento da arborização urbana das avenidas e seus entornos imediatos em função deste conceito.

5) Corumbataí

O rio Corumbataí é o maior afluente do Piracicaba e fonte de abastecimento de água da cidade. A este trecho O PAE estabelece premissas de:

• conservação da paisagem por meio da recuperação da mata ciliar (parcerias com programas já instalados – do Consórcio PCJ, por exemplo);

• parcerias com outros municípios, universidades ou entidades (ONGs, consórcios) para sua recuperação ambiental;

• recuperação dos afluentes (o ribeirão Guamium corre totalmente no município e por isso pode-se garantir maior controle de suas águas e de sua vegetação ciliar)

6) ESALQ/USP

A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) é um centro de ensino, pesquisa e produção de conhecimento de nível nacional internacional; compreende uma porção significativa do território de Piracicaba e atrai, ainda, a população da cidade por sua condição de parque público. Todas estas características conferem a este trecho diretrizes de:

• maior proximidade com as margens do rio, atualmente inacessível em muitos trechos;

• maior proximidade com a população por meio de estímulo a parcerias com o Poder Público no desenvolvimento de programas de educação ambiental

7) Monte Alegre

Monte Alegre é um antigo bairro operário de usina de açúcar e álcool e um rico patrimônio cultural da cidade. Tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural (Codepac), é atualmente propriedade particular e assim deve ser considerado para efeito do desenvolvimento de intervenções futuras, à luz da preservação do patrimônio e do fomento ao turismo.

8) Pedreira do Morato

Área compreendida pelo bairro do Morato e a calha do ribeirão do Enxofre, até há pouco funcionando como área de extração, com explosões regulares e muito próximas a áreas residenciais. Deverá receber plano de manejo para requalificação ambiental.

PAE – Estudo Preliminar para a Requalificação da Rua do Porto.
PAE – Estudo Preliminar para o Trecho 1 – Beira-Rio Central
PAE – Plano de Ação Estruturador – parte 1/3
PAE – Plano de Ação Estruturador – parte 2/3
PAE – Plano de Ação Estruturador – parte 3/3

Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística

O Projeto Beira-Rio possui um plano de manejo da vegetação relacionada à sua área de intervenção dentro do perímetro urbano, com foco no trecho entre as pontes do Mirante e do Morato, na região central da cidade. Trata-se da “Proposta de adequação ambiental e paisagística do trecho urbano do rio Piracicaba e entorno”, produzida pelo Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (LERF-ESALQ/USP) e ESALQ Florestal Júnior, em conjunção ao desenvolvimento do projeto de arquitetura da requalificação da Rua do Porto – primeira intervenção do Projeto Beira-Rio. Esta proposta, aprovada e licenciada pelo Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DEPRN), divide-se em três dimensões sucessivas:

• contextualização regional da vegetação no trecho urbano considerado, com diretrizes para a restauração da mata ciliar do córrego do Enxofre e para a formação de corredores, de ilhas de diversidade vegetal e de interligações para os remanescentes florestais da região;

• restauração florestal de um trecho da margem direita, no Engenho Central, que serve de fundo para a primeira intervenção do Projeto Beira-Rio – requalificação da Rua do Porto, na margem esquerda;

• restauração florestal e o paisagismo da área da requalificação da Rua do Porto.

Para esta última dimensão, a equipe da ESALQ/USP produziu um censo das espécies vegetais existentes em toda a Rua do Porto; com o censo foi produzido um diagnóstico para o quadro levantado, a partir do qual foram elaboradas as ações necessárias para o projeto de adequação paisagística. Estas ações foram, então, conjugadas às diretrizes arquitetônicas e paisagísticas para a requalificação da Rua do Porto, elaborada pelo Projeto Beira-Rio.

Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística do Trecho Urbano do Rio Piracicaba e Entorno – parte 1/8

Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística do Trecho Urbano do Rio Piracicaba e Entorno – parte 2/8

Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística do Trecho Urbano do Rio Piracicaba e Entorno – parte 3/8

Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística do Trecho Urbano do Rio Piracicaba e Entorno – parte 4/8

Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística do Trecho Urbano do Rio Piracicaba e Entorno – parte 5/8

Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística do Trecho Urbano do Rio Piracicaba e Entorno – parte 6/8

Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística do Trecho Urbano do Rio Piracicaba e Entorno – parte 7/8

Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística do Trecho Urbano do Rio Piracicaba e Entorno – parte 8/8

Etapas do Projeto Beira-Rio Realizadas

1ª: Requalificação da Rua do Porto

A primeira intervenção do Projeto Beira-Rio na orla urbana do Piracicaba é a requalificação da Rua do Porto, uma das mais emblemáticas áreas da cidade, concentradora das memórias da pesca e das olarias, do folclore do Divino Espírito Santo e de um lazer gastronômico em expansão. Com aproximadamente 800 metros lineares, a área situa-se no primeiro trecho de desenvolvimento de projetos definidos pelo Plano de Ação Estruturador-PAE, situado entre as pontes do Mirante e do Morato, na margem esquerda do rio Piracicaba.

As intervenções da requalificação da Rua do Porto sintetizam as aspirações levantadas pelo diagnóstico “A cara de Piracicaba” e desenvolvidas pelo PAE: o tratamento da margem como espaço público, a prevalência do pedestre no espaço da cidade, a recuperação do patrimônio histórico e a recomposição da vegetação ciliar.

A intervenção definiu-se basicamente por: