O Lar das Ruas, espaço montado no Ginásio de Lutas do Jaraguá pela Prefeitura para acolher as pessoas em situação de rua durante a pandemia do coronavírus e mantê-las protegidas, já abriga 45 pessoas. Muitas delas, desde o dia 6/04, puderam, novamente, dormir debaixo de um teto, em uma cama de verdade, a fazer todas as refeições diárias e a ficarem “limpas”, sem usar drogas. Por isso, para alguns acolhidos, a pandemia é um momento de mudança e de recomeço.
L. perdeu o emprego em SP e veio para Piracicaba tentar uma vaga quando teve início a quarentena: esperança
Todos os acolhidos no Lar das Ruas estão lá por vontade própria. Eles foram abordados por equipes da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) e toparam seguir as regras da casa para isolamento social. A capacidade do espaço é de 100 acolhidos no total. A Smads realiza abordagem com pessoas em situação de rua durante todo o ano e conta com equipamentos voltados para acolher e orientar essa população.
Um dos cursos oferecidos às pessoas em situação de rua é o de cabeleireiro: mercado de trabalho em vista
Para que tudo funcione no Lar, existe um cronograma a ser seguido, que inclui horários para acordar, tomar banho, fazer as refeições e descansar. Equipes da Secretaria de Esportes e Atividades Motores (Selam) oferecem atividades esportivas. Há também voluntários que ensinam corte de cabelo e até os que praticam medicina alternativa com o grupo. Religiosos também levam palavras de conforto aos acolhidos e equipes do NA (Narcóticos Anônimos) auxiliam os adictos a deixarem as drogas de lado. Além disso, eles contam com atendimento médico, odontológico e psiquiátrico.
De acordo com Fabiane Fischer Gomes Oliveira, secretária da Smads, muitos dos acolhidos no Lar não passavam por qualquer tipo de atendimento de saúde há tempos. Para Fabiane, o Lar será uma oportunidade de mudança e, mais: de reinserção no mercado de trabalho e na sociedade. “Faz tempo que eles não têm o carinho de um lar, a oportunidade de sentar em uma mesa, tomar café da manhã, almoçar, jantar. É isso que queremos proporcionar aqui. Queremos que entendam que na rua eles têm liberdade, mas que é uma vida auto-destrutiva e sem escolha. Queremos que eles percebam que podem transformar sua vida”, disse.
Parte da estrutura montada pela Prefeitura para receber homens e mulheres em situação de rua durante a pandemia
Os planos pós-quarentena, segundo Fabiane, incluem a inserção e reinserção dos acolhidos no mercado de trabalho. “Por isso estamos trazendo cursos profissionalizantes para o Lar, como de cabeleireiro, crochê. Queremos recolocá-los no mercado de trabalho, dar essa ajuda”, avisa.
FUTURO – Para a psicóloga do Centro Pop, que atua no Lar, Daiane Araújo de Arruda, os motivos que levam as pessoas a viverem nas ruas são os mais variados e, sim, elas podem, deixar essa situação. “Quando essas pessoas se dispõem a ficar em um lugar como este (o Lar) é porque querem caminhar para um outro modo de vida. E isso vai depender das possibilidades que tiverem depois”, explica.
É isso que quer M., 31 anos, que vive nas ruas há cinco. Pintor industrial e predial, M. se viciou em drogas e álcool, a situação em casa ficou insustentável e ele decidiu sair. “Viver nas ruas não é fácil. As pessoas não acreditam na gente, não conseguimos emprego”, disse. M. aceitou as regras do Lar e está “limpo”. “Estou aqui por causa da pandemia. É um tempo para refletir. Aqui temos uma boa assistência e quero mudar de vida, ter uma vida mais produtiva”, afirma.
Lanche da tarde é oferecido para os acolhidos no Lar das Ruas
O que levou o fiscal de loja M., 27 anos, para as ruas não foram as drogas, mas o desemprego. Ele perdeu os avós, que o criaram. Passou por uma complicada cirurgia de coração e, desde então, tem dificuldades para encontrar trabalho. Ao perder o benefício do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) não teve opção: foi viver nas ruas, onde está há um mês. M. espera ter um nova oportunidade quando a pandemia terminar e ele deixar o Lar das Ruas. “Aqui temos cama para dormir, alimentação. Gostaria de alguma ajuda do governo. Se sair daqui e voltar para a rua de nada adiantou”, disse.
Um mini biblioteca atende os acolhidos no Lar das Ruas, com livros, revistas e jornais
L. é de São Paulo. Perdeu o emprego em uma transportadora na capital e veio para Piracicaba em busca de uma nova vida. Nesse meio tempo, foi pego de surpresa pela pandemia e aceitou prontamente o convite de ir para o Lar. Apaixonado por livros, a pequena biblioteca do local é um dos seus passatempos preferidos. “O que eu quero é ter uma vida digna, um trabalho, me auto-sustentar e viver em sociedade normalmente”, deseja L.