Monike Cristina, 32 anos, deu seus primeiros passos no sonho de ser uma bailarina aos 5 anos com a música clássica que seu avô a colocava para ouvir. Ivan Domiciano, 32 anos, também era ainda criança quando viu sua irmã dançando e teve vontade de aprender o balé. Mais de 20 anos depois, com uma carreira internacional como bailarinos, os dois, que são piracicabanos, voltaram à Cedan (Companhia Estável de Dança de Piracicaba) para ensinar o que aprenderam a outros jovens que, assim como eles, tiveram a oportunidade de realizar esse sonho graças ao projeto mantido pela Prefeitura por meio da Semac (Secretaria Municipal da Ação Cultural).

De férias na cidade natal, os bailarinos comandaram uma oficina de técnicas clássicas para os alunos da Cedan, no fim de janeiro, no Armazém Cultural da Estação da Paulista. Os dois começaram o caminho profissional na companhia piracicabana, onde ficaram por seis anos, e atualmente são os Primeiros Bailarinos no Joanesburgo Ballet na África do Sul.

Ex-alunos da Cedan, Monike e Ivan, consolidaram carreira internacional como bailarinos

“É gratificante voltar, passar um pouco do meu conhecimento, foi aqui realmente onde eu comecei. Eu olho pra trás e falo: tudo valeu a pena. Todo o esforço, dias de ficar das 10h às 20h, o dia inteiro me dedicando. Então voltar pra cá e passar um pouco da aula pra nova geração, eu fico muito feliz”, contou Ivan.

A primeira experiência internacional que ele teve foi através da Cedan. Camilla Puppa, diretora da companhia à época e atualmente na função, vendo potencial no aluno, preparou o bailarino para competir por uma bolsa em um festival de dança em Brasília/DF. Ao ganhar a medalha de bronze, ele teve a oferta de duas bolsas de estudos e escolheu ir para uma companhia na Áustria.

“Foi uma grande experiência, dancei em Moscou, Alemanha, Vancouver (Canadá), então foi uma companhia que me abriu várias oportunidades para realmente viver da dança.”

Alunos da Cedan participaram de oficina com ex-bailarinos da companhia que hoje estão na África do Sul

ABRINDO CAMINHOS – Monike cresceu em uma família de artistas e considera que seu caminho para a dança foi uma escolha quase natural. Desde criança, viajava para outras cidades buscando se preparar no balé profissional, e em muitas dessas viagens, conheceu Camilla quando a Cedan ainda era um projeto.

O início da companhia permitiu que a bailarina conseguisse se profissionalizar em Piracicaba. Alguns anos depois, seu talento a levou para se apresentar na companhia russa de balé Bolshoi. “Fiz parte do Bolshoi sem ter passado pela escola, fui direto para a companhia, isso é uma exceção porque eles gostam dessa hierarquia”, lembra. Foi escolhida para interpretar o Cisne Negro em 32 cidades da Rússia, Ucrânia e Moldávia.

Ivan Domiciano, Carlos Beltrame, Monike Cristina e Camila Puppa

A bailarina foi contratada no mesmo ano que Ivan para serem solistas do ballet de Joanesburgo, há oito anos. Ao chegar no país africano, algo chamou atenção. “Foi muito interessante quando a gente chegou lá, porque eu achei que a gente só ia encontrar bailarinas negras. E eu fiquei assustada que não, porque lá o apartheid acabou não faz nem 15 anos. Então era só a parte branca [da sociedade] que tinha acesso ao balé clássico, a parte negra não tinha.”

Monike explica que para se tornar um bailarino profissional, é preciso ao menos 8 anos de estudo no básico e daí começar a se profissionalizar. “Então não tem ainda [bailarinos negros na companhia]. E os poucos que tinham não se sentiam à vontade e foram para outros países.”

Um tempo depois, o primeiro papel principal que Monike foi escolhida para fazer foi interpretando a Branca de Neve. Ela lembra do diretor da companhia contando que foi questionado pela equipe da divulgação sobre a escolha, porque no livro dizia que a princesa era branca como a neve e a bailarina era negra. Mas ele insistiu que ela faria o papel principal e era pra fazer as fotos do espetáculo.

João Victor Lima, aluno da Cedan, se inspira em oficina a acreditar que pode viver da dança

“E a partir daí começou a vir muito mais crianças [negras], começaram a se identificar muito mais com balé e até hoje me agradecem muito. Elas dizem: ‘eu também posso ser princesa’. É lindo de ver, isso é muito gratificante.”

INSPIRAÇÃO – João Victor Lima, de 20 anos, dança todos os dias na Cedan, “exceto aos domingos”, brinca, e conta que participar da companhia o ajudou a poder dançar no exterior assim como o casal de professores, mas principalmente encontrar um caminho profissional que o faz se sentir realizado. “Fiquei um mês na Itália, foi muito intenso e realizador. Eu não me vejo sem a dança, eu mostro tudo o que eu sinto com a dança.”

Luma Barletta, de 21 anos, que também faz parte da Cedan, já tinha ouvido histórias dos dois bailarinos como uma referência daquilo que ela sonha se tornar. “[Os dois] definem o que eu gostaria de alcançar. Poder encontrar algum lugar dançando que eu me sinta realizada”, conta.

“A Cedan já é um lugar de realização, por todo o aprendizado que temos aqui. Não sei como eu me vejo daqui a 10 anos, mas tenho certeza que a dança vai estar presente [na minha vida], principalmente porque nos momentos do dia a dia nos ensina sobre comunhão.”

Aluna da Cedan Luma Barletta se inspira em ex-bailarinos para almejar carreira internacional

Atualmente, 20 dançarinos fazem parte da companhia, e segundo a diretora da Cedan, ao menos 10 bailarinos que passaram pela companhia hoje se apresentam em outros países, além de incontáveis professores formados ali.

“É um orgulho muito grande e um sentimento de missão cumprida. Não é só formar bailarino, é formar ser humano, que sabe olhar pra trás e ser grato, e estar aqui ajudando os outros que têm o mesmo sonho. Dizer que a gente chega lá, se a gente quiser, basta realmente querer e se dedicar”, finaliza Camilla.

POLÍTICAS PÚBLICAS – Além da Cedan, a Semac possui outros projetos que fomentam a produção cultural e incentivam pessoas a se envolver com o universo artístico. Como a Ceta (Companhia Estável de Teatro Amador), que completa 33 anos em 2024, e contribui com a formação de atores e funciona como um celeiro de criação nas artes cênicas.

Outro projeto é a Movimentação Cultural. O programa tem o objetivo de ampliar, aprofundar e otimizar as funções oriundas de políticas públicas que contemplam a descentralização e a democratização cultural. Também promove acesso à cidadania, por meio das mais diversas atividades de formação e informação cultural.

Oficina para alunos da Cedan ensinou estilo de ballet clássico


Além disso, a Semac apoia com cessão de espaço, além de transporte e alimentação durante as apresentações ao Projeto Guri, um programa de educação musical da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo. O programa, que existe desde 1995, oferece educação musical, arte e cultura, Cursos Regulares, mantém atividades extracurriculares, Cursos Livres (como cursos Modulares, Iniciação Musical para Adultos e Luteria), Guri 4.0 (que inclui os cursos EaD), Guri nas Escolas e Grupos de Polo.

O secretário da Ação Cultural, Carlos Beltrame, enfatiza que estes projetos de fomento são essenciais para a população de Piracicaba. “São graças a estes esforços da Semac que ajudamos a manter vivo o fazer cultural na cidade, além de constantemente despertar o interesse de mais e mais pessoas em se tornar protagonistas do mundo das artes, de Piracicaba para o mundo”.