Amanhã (21), às 19h30, o ex-vigário da Catedral de Piracicaba, padre Otto Dana, fará um bate-papo no Barraco do Frei Sigrist, no Jardim Glória, em Piracicaba. Esse será um dos vários eventos que lembram os 20 anos de falecimento do capuchinho, que fez história na cidade, pois transformou aquela realidade de favela em bairro urbanizado, incluído no contexto de Piracicaba.

Frei Sigrist viveu em Piracicaba entre 1984 a 1998, durante o bispado de Dom Eduardo Koaik. Padre Otto apresentará aquele patrimônio histórico, em fase de tombamento, e, sem seguida, seguirá para a Capela de Santa Clara e São Francisco, na mesma comunidade do Jardim Glória, onde será rezado o terço e será apresentado o mosaico de 40 metros, da artista Virginia Welch.

O Jubileu de Frei Sigrist será lembrado todos os meses, com eventos e celebrações, que culminarão, em outubro: no dia 17, com Sessão Solene na Câmara de Vereadores, proposta pela vereadora Nancy Thame; no dia 18, Missa Solene pelos 20 anos de falecimento de Frei Sigrist, presidida pelo bispo piracicabano Dom Angélico Sândalo Bernardino, na Capela do Jardim Glória.

Claudinei Pollesel, do IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba) e Frei Jose Orlando Longarez, frade capuchinho que foi morador do barraco do Jardim Glória por seis anos, estão organizando a biografia: "Deo Omnis Gloria – biografia de Frei Sigrist". A intenção é fazer o lançamento da biografia em outubro e, para tanto, a dupla procura patrocínio para a obra.

Frei Sigrist morou na favela do Jardim Glória por vários anos

“Deo Omnis Gloria” (A Deus toda a Glória).

FREI SIGRIST

Frei Sigrist encontrou-se com a “irmã morte” na manhã de domingo, 18 de outubro de 1998, dia em que a Igreja celebra São Lucas, evangelista. Estava com 66 anos de idade e 14 anos de sacerdócio. Este encontro fatal aconteceu na cozinha do barraco do Jardim Glória.

Neste barraco de madeira, na então chamada “favela”, existia a “Fraternidade Nossa Senhora da Glória”, dos Frades Capuchinhos e lá residiam, além de Frei Sigrist, também os religiosos Antônio Carlos Mendes (Frei Tonhão) e Jose Gomes de Souza Junior (Frei Portuga).

Naquela manhã de domingo Frei Sigrist estava sozinho em casa. Acordou bem cedo, como era seu costume, após a oração da manhã colocou a água no fogo para o café e vestiu-se para aguardar o "motorista" e amigo Jenésio Grosser, que viria buscá-lo para celebrar a missa na Capela de Nossa Senhora da Salette, do bairro Glebas Califórnia. Estava pronto o cenário para o encontro com a “irmã morte”, que chegaria para ele como um “ladrão”, como diz o Evangelho.

Jenésio chegou meia hora antes da missa, como era costume, e estranhou que o portão estivesse com o cadeado fechado e do lado de fora. Este detalhe chamou muito a sua atenção, pois o usual seria o portão aberto e a porta da sala também já aberta ou só encostada. Repetiu o ritual de sempre, gritando o nome de Frei Sigrist. Aguardou, já com angústia e mau pressentimento a resposta: "o da Salette!", que infelizmente não ouviu.

Já certo de que algo havia acontecido, pediu que um vizinho o acompanhasse e deram a volta no barraco e, pela fresta da porta dos fundos, viram o frei caído no chão da cozinha, vitimado por um enfarto fulminante. No velho fogão estava o caneco feito de lata de "leite Ninho", já seco, no fogo acionado; na pia, sua xícara feita de lata de ervilha aguardava pelo café que não chegou a ser coado. Ao seu lado estavam o Rex e a Pita, seu cão e sua gata, que velavam o amigo num velório bem franciscano. Os vizinhos chamaram por socorro, enquanto Jenésio buscou cobertores e travesseiros para acomodar o amigo caído. De ferimento aparente somente um corte na cabeça, resultado da batida na lateral do armário.

Emocionado ainda hoje, passados 20 anos, lembra com carinho das demonstrações de carinho do cachorrinho que insistia em ficar deitado em cima do peito do amigo morto; dos gritos e choros das crianças da favela que choravam "a morte do pai"; da tristeza e dos lamentos dos moradores que não conseguiam imaginar como seria o amanhã sem a presença do frei.

Levado para ser velado na Capela Santa Clara e São Francisco, do Jardim Glória, lá permaneceu até às 14 horas daquele domingo, quando, após a celebração da missa de corpo presente, foi transladado para Helvétia, distrito de Indaiatuba/SP, onde foi sepultado, junto de seus pais.

Sua morte abalou a comunidade do Jardim Glória que se sentiu órfã, provocou comoção e dor em toda comunidade católica, pois era muito conhecido pelo seu testemunho de vida franciscana, morando numa favela, e pelas aulas de teologia para os leigos da Diocese.

De Helvétia saiu em 1944 com apenas 12 anos para ingressar no Seminário Seráfico São Fidélis, em Piracicaba/SP e para lá voltou cinco anos depois, quando, em crise, abandonou o sonho da vida religiosa. Junto de seus pais e irmãos tornou-se lavrador nas terras da família.

De Helvétia saiu novamente em 1975, agora com 42 anos, e retornou para Piracicaba para tornar-se frade capuchinho, vocação de sempre que permaneceu em seu coração, apesar de tantos anos afastado da vida religiosa. Após professar os votos de pobreza, castidade e obediência e receber o hábito franciscano, cursou filosofia no Seminário São Francisco de Assis, de Nova Veneza/SP e teologia na Alemanha na “Julius-Maximilians-Universität Würzburg/Deutschland”.

De Helvétia saiu mais uma vez, em 1984, agora como padre, novamente com destino a Piracicaba onde foi nomeado Vice- Mestre de Noviços e Vigário Paroquial do Convento e Paróquia Sagrado Coração de Jesus. No ano seguinte, 1985, mudou-se para o barraco, na favela do Jardim Glória, acompanhado dos seminaristas Carlos Silva e Toninho. Lá desenvolveu seu apostolado que transformaria de forma radical a vida daquela comunidade e sua própria vida.

“… quanto a ser transferido, eu não acho nada. Eu posso ser ou, como espero, não ser transferido”. Alguns dias antes de sua morte, Frei Sigrist assim respondeu em entrevista ao Jornal de Piracicaba, sobre a pergunta da repórter acerca de sua possível transferência para outra comunidade. Foi atendido por Deus, que não permitiu que seus superiores decidissem sobre o assunto da possível transferência.

Deus Pai enviou a “irmã morte” para que levasse seu corpo, mas foi obrigada a deixar eternizada a essência de Frei Sigrist naquela comunidade do Jardim Glória. Sua presença, ainda hoje, após 20 anos de sua morte, é sentida nos corações dos moradores, nas lágrimas de Dona Joaninha e do Dozinho, no barraco ainda preservado, nos seus poucos pertences ali conservados, na belíssima capela decorada com mosaicos maravilhosos – obra da artista plástica Virginia Welch -, nas palmeiras imperiais plantadas por ele, nos muros de arrimo edificados com pedras, nas mais de 100 casas construídas em estilo alpino.

Ao celebrar o jubileu de 20 anos do falecimento de Frei Francisco Erasmo Sigrist queremos lembrar que só é possível ser feliz fazendo o outro feliz, a exemplo do Francisco do Jardim Glória, o pai do Jardim Glória.

“Meu sonho é um jardim. O meu jardim é o Jardim Glória”.

(Claudinei Pollesel é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba).